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Opinião | Lidar com a questão habitacional no Brasil é possível

Nos últimos meses, tenho discutido as políticas de urbanização de assentamentos informais no Brasil com um grupo de 15 estudantes de planejamento urbano que possuem experiência em várias cidades diferentes do mundo. Esta oportunidade tem me forçado a olhar para o nosso principal problema urbano – não, não é o trânsito o nosso maior problema urbano, mas a informalidade que impede a solução dos problemas coletivos – a partir de uma perspectiva mais ampla.

Essa perspectiva não me deixa esquecer que o Brasil não é um país pobre, mas um país desigual. Isso está estampado na diferença entre o ambiente construído das favelas brasileiras e daquelas na Índia ou na África do Sul. Neste último, por exemplo, movimentos sociais fazem auditorias nos banheiros públicos, que são ofertados na proporção de 1 para 100 unidades habitacionais, porém não recebem manutenção periódica.

No Brasil, casas sem banheiro existem, porém não são a regra. Contraditoriamente, um grande número de casas com banheiro (além de estrutura permanente, acesso a escolas públicas e postos de saúde, eletricidade e água encanada) são frequentemente demolidas por obras de “renovação” urbana. Suas famílias, removidas para apartamentos construídos “do zero” em porções da Cidade desprovidas de serviços coletivos, obrigando o Estado a oferecer novamente esses serviços.

No jargão técnico, a gente chama esse processo de criação de demanda habitacional pelas políticas públicas. Trata-se de uma enorme contradição: dinheiro público e privado usado duas vezes para o mesmo fim. Fico imaginando o tamanho do prejuízo que esse processo causa para a coletividade, e o papel disso na perpetuação da nossa condição de “pobreza”.

John Turner, um influente arquiteto baseado no Peru já antevia as deseconomias desse processo ainda em 1977. Para ele, devíamos reverter as prioridades do investimento estatal em habitação: deixar de investir em construção de casas e, em vez disso, universalizar as redes de infraestrutura básica e o acesso à terra urbanizada e ao financiamento.

Triste perceber que, várias décadas depois, ainda elegemos governantes que defendem a construção de conjuntos habitacionais na periferia como solução para o problema habitacional brasileiro. Por causa disso, conjuntos habitacionais periféricos degradados já constituem um tipo recorrente de favelas no Brasil…

Clarissa Freitas

urbcla@gmail.com

Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFC; doutora em Arquitetura e Urbanismo na UnB; atualmente, professora visitante do Departamento de Planejamento Urbano e Regional da Universidade de Illinois (EUA)

Fonte: jornal O Povo

 

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