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Nícia Bormann: Os múltiplos talentos de uma arquiteta comprometida com a arte

Nícia Bormann (Foto: Joyce Lopes – CAU/CE)

Arquiteta e urbanista, professora, artista. Nome reconhecido no estado, Nícia Paes Bormann é uma mulher do seu tempo. O tempo presente. Com múltiplos talentos, representa de forma inconteste a figura feminina na contemporaneidade. Sem, é claro, ter deixado de enfrentar uma boa série de desafios. Nascida no Rio de Janeiro, filha de mãe paranaense e pai cearense, aos 76 anos, mantém ativamente um escritório em Fortaleza. “É uma opção de vida. Uma paixão. Eu gosto de criar espaços, enfim, de fazer arquitetura”, afirma com voz tranquila, de quem guarda consigo as próprias certezas.

Nícia começou a pensar em arquitetura aos 17 anos influenciada por um tio arquiteto. Conta, entretanto, que, na infância, diziam que ela não sabia desenhar, então não poderia ser arquiteta. No vestibular, quase optou por engenharia, mas o pai, engenheiro, foi contra: “Eu não quero mulher no canteiro de obras jamais”, relata aos risos, dando ênfase à voz do pai. Na dúvida, o teste vocacional direcionou: arquitetura. “E eu decidi: ‘Com desenho ou sem desenho, vou fazer’”.

A despeito das proibições do pai, ele sempre quis que as mulheres tivessem uma profissão. “Fazia qualquer coisa para que eu terminasse a faculdade”, lembra, ressaltando o incentivo familiar. A jovem se graduou pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 1964. Depois de formada, ela e o marido – Gerhard Bormann, arquiteto, colega de faculdade que Nícia namorou desde o primeiro ano – vieram para o Ceará a convite do pai. Além do laço familiar, outra razão definiu a vinda: o início da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) em 1965.

A arquiteta fala com satisfação do período em que foi professora. Uma das primeiras mulheres na Universidade. “Eu era muito envolvida principalmente naquele início. E o que eu acho que é muito importante para quem ensina é ‘o aprender’, o que nós aprendemos ensinando. Então para mim, isso foi fundamental. Muito da base que eu tenho hoje vem desse trabalho de ensinar e pesquisar”, analisa. Ela foi responsável por montar o curso de paisagismo dentro da grade curricular da Arquitetura na UFC, pois, na escola, era a pessoa mais habilitada para a tarefa. Na verdade, o interesse pelo paisagismo surgiu ainda no escritório de Burle Marx, como estagiária. Aliás, a professora destaca esse período, no terceiro ano de faculdade, como um dos mais “marcantes”: “O projeto que estava sendo desenvolvido lá era o Aterro do Flamengo. Nós acompanhamos isso. Foi uma coisa extremamente relevante para mim”. A partir de 1982, ela lecionou também na Universidade de Brasília (UnB) e acabou morando na cidade por 17 anos.

“Eu me aposentei como professora, mas sempre fiquei com aquela cócega de ter um escritório, de trabalhar com projeto”, revela. Mesmo durante o período na UFC, em que não se exigia dedicação integral, ela conseguia manter um escritório em casa, embora os cuidados com filho dificultassem o trabalho. Ia aos “trancos e barrancos”, conta ela sorrindo, “mas eu fiz alguma coisa (risos)”. De início, Nícia e o marido trabalhavam juntos, mas a arquiteta começou a perceber tratamento desigual por parte dos clientes. Mesmo ela sendo responsável direta, a pessoa só se dirigia a ele. “Chegou num ponto em que eu disse: ‘Vamos separar’”.

Conversando sobre as condições da mulher no mercado de trabalho e a falta de reconhecimento, ela lembra de, muitas vezes, terem confundido a autoria de seus projetos com os do marido. “Quando chegamos à Universidade em junho de 1965, fomos trabalhar na Divisão de Obras. Naquela época, a escola estava se estruturando, e havia vários projetinhos dentro da escola que precisavam ser feitos e alguns outros que a Universidade queria fora. Como os de fora eram projetos maiores e importantes, ficaram para ele, e eu fiquei com os projetos de dentro da faculdade. Por acaso, as coisas que eu fiz foram construídas, porque eram dentro da escola, precisavam ser feitas. E as que ele fez fora, que eram coisas maiores, não foram construídas. Ficaram projetos lindos, mas não foram construídos. Então eu acho que havia uma certa resistência quanto à questão da mulher, porque realmente eu nunca peguei aqui em fortaleza um projeto grande”.

A professora diz ainda hoje sentir certa resistência das pessoas. “Então pode-se dizer que o fato de ser mulher ainda faz a capacidade ser subestimada?”, questiono. “Exatamente. É complicado.” “Na verdade, não é uma questão de sexo. É a sua competência ou não para fazer as coisas.” Para ela, se há uma distinção clara é o acúmulo de responsabilidades da mulher, como a preocupação com os filhos, reflete, concluindo que não teria condições de trabalhar no mesmo ritmo do marido. “E se hoje a mulher busca tentar dividir com o homem as atividades, eu acho que antigamente…”, lanço o pensamento, quando ela me interrompe, completando o raciocínio: “Era mais difícil. Era tão óbvio o que você tinha de fazer que não havia como discutir (risos)”. 

Um episódio relatado com orgulho aconteceu ainda na UnB, quando sentiu que até para eleger um nome para chefia de departamento, a mulher estava sempre em segundo plano. “Se quisesse uma subchefia, tudo bem (risos)”. Logo que chegou em Brasília, ela recebeu a proposta de compor chapa para eleição de departamento, mas teria de ser subchefe. “Eu disse: ‘Se vocês me quiserem como chefe de departamento eu irei, mas como subchefe, não’. Na eleição seguinte eu fui para a chefia. De qualquer maneira, a coisa me incomodava”. Nesse ponto, ela se definiu como “meio briguenta”.

Já aposentada, Nícia deu vazão a um talento antigo: as artes plásticas. O gosto pelo desenho a acompanha desde criança. Mesmo o curso de arquitetura no Rio era ligado às Belas Artes. Então foi desenvolvendo a aptidão para a aquarela. Já em Brasília chegou a expor trabalhos e conheceu, por meio de um ateliê, a gravura em metal. Até que começou a trabalhar com paisagismo novamente. “Foi engraçado. Um conhecido me perguntou se eu não tinha uma aluna interessada em estagiar no viveiro dele. Como não estava fazendo nada, respondi: “Eu, você quer? (risos). Foi uma experiência superinteressante, porque comecei a trabalhar na prática. Tinha feito paisagismo na teoria até então. Mas isso somado à questão da arte foi um subsídio para o meu trabalho como paisagista, que tem muito a ver com arte: você mexe com cores, texturas, vê composições”, explica. Em 1999, resolveu abrir escritório, voltando ao Ceará. 

De gestos sutis, expressão contida e uma simpatia transbordando no olhar, Nícia Bormann se considera uma pessoa intuitiva. Independentemente de ser mulher. Não acredita nessas diferenças entre os sexos. Quer ser tratada como igual. Nem por isso se enquadra como feminista. “O que eu coloco é que eu não sou diferente. Claro que a mulher é diferente do homem”. Entretanto, para ela, não se deve ter privilégio por ser mulher ou, contrariamente, achar que há uma desvantagem por isso. “Se há um tratamento desigual, não há o que a sua vontade não consiga mudar”, finaliza com bom humor voltando ao fato de ter sido chefe de departamento na UnB.

 

Por Joyce Lopes, Jornalista, assessora de comunicação CAU/CE

 

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