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“Arquitetos determinaram cidade atual”, diz Sérgio Magalhães, presidente do IAB

A primeira mesa-redonda do Fórum Internacional “A metrópole contemporânea. Os mundos da lusofonia,” na quarta-feira, 24 de fevereiro, que contou com as participações dos arquitetos Luiz Fernando Janot, João Rodeia e Pablo Benetti, além da mediação de Pedro da Luz Moreira, presenciou um debate interessante sobre o papel do capital no desenho urbano das cidades brasileiras. Na ocasião, o presidente do IAB, Sérgio Magalhães disse que é preciso relativizar a crítica ao mercado financeiro. Para o arquiteto, apesar da influência do capital, são os arquitetos que desenharam e desenham o espaço urbano. Leia, abaixo, a íntegra da intervenção de Magalhães.

“Há pouco, em Vitória (ES), tivemos a nossa reunião do Conselho Superior do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), que homenageou o arquiteto Carlos Fayet. Um importante líder do IAB, da Federação Nacional dos Arquitetos (FNA) e da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (Abea), além de ter sido um importantíssimo profissional do Rio Grande do Sul.

Fayet, num depoimento que fez para nós, do IAB-RJ, nos anos de 1970, que virou depois um conjunto de livros intitulados “Arquitetura Brasileira após Brasília Depoimentos”, dizia que o ideal dele era que os arquitetos fossem pessoas normais. Ou seja, que tivesse arquiteto inteligente, burro, honesto e mais ou menos. Quando o arquiteto estivesse plenamente inserido na sociedade, em todas as suas dimensões, então, para ele, seria um momento de bem-estar, porque a arquitetura estaria cumprindo com suas responsabilidades.

Chamo esse testemunho do Fayet porque passamos por esse problema de que horas nos exaltarmos como entidades e reclamamos de tudo; e horas não fazemos nada e passamos toda a responsabilidade para os outros.

O João (João Rodeia, presidente do CIALP) falou muito bem ao situar esta questão. A democracia tem suas dificuldades. Uma delas é que nos coloca perante a nossa própria dimensão. Enquanto tivemos um inimigo claro na ditadura, desconsideramos a nossa própria dificuldade. Não tenho a ideia de que nós sejamos tão onipotentes como pensamos. Mas tampouco somos destituídos de poder como podemos às vezes dizer.

Quero situar, para concluir com este testemunho que, no desenho das cidades brasileiras, o poder dos arquitetos foi enorme, gigantesco e decisivo. Foram os arquitetos que determinaram a cidade que temos hoje. Não vamos nos iludir com isso. O desenho magistral do Lucio Costa está aí exemplificado. O Lucio propôs tirar a capital do Rio e levar para a Barra. Está lá nas memórias dele. Isso não é pouca coisa. Não é um gesto gratuito, e é cheio de responsabilidades. Se o plano não se configurou, foi por razões econômicas, sociais, culturais e políticas que eram de tal modo fortes e entranhadas na sociedade que não deixaram que acontecesse essa coisa horrorosa: a proposta de Lucio. Mas, em compensação, levou com ela o investimento prioritário dos governos por décadas em detrimento das regiões ocupadas da cidade.

Agora, vai dizer que Lucio Costa fez isso porque estava mal intencionado? Não! Junto com ele, o Doxiadis projetou a desconstrução total das centralidades do Rio de Janeiro, criando dezenas de centralidades num território que passaria de 180 quilômetros quadrados para oito mil quilômetros quadrados nos anos 2000, e que se não foi implantado, serviu para que Lacerda tirasse as favelas da Lagoa e levasse para Santa Cruz. O desenho de Doxiadis dizia que o desenvolvimento industrial estaria lá. Isso tem responsabilidade absoluta no desenvolvimento da nossa cidade. Não é que Doxiadis estava mancomunado. Lucio também não. Ele fez tudo dentro da maior lisura doutrinária e ética que lhe era peculiar.

Pablo e outros comentaram também sobre a questão da terra. A terra, em razão de ser propriedade privada, tem as dificuldades que sabemos. No entanto, Brasília inteira é área pública, e a expansão de Brasília se deu de forma que a gente sabe. Aí tem uma questão que precisamos relativizar.

Por último, quanto todos nós dizemos que a especulação imobiliária e o capitalismo fazem com que a cidade deforme sua imagem ambiental pela produção de espigões, os quais fazem com que a cidade se perca num emaranhado de arranha-céus, lembro de um relatório publicado em 1969 sobre o futuro da humanidade. Um relatório da União Soviética. O capítulo da cidade e arquitetura diz que, no futuro, as habitações estariam localizadas em edifícios com 200, 300, 400 ou mais andares, situados em terrenos livres, dos quais os edifícios ocupariam 2% ou 3% do território e o resto seria ocupado por jardins ou florestas. Essa era a percepção da elite intelectual arquitetônica da União Soviética, estado rigorosamente comunista, nos anos áureos do modernismo. Portanto, transpassava doutrinariamente o mais capitalista ao mais comunista. Essa é a força da doutrina arquitetônica que a gente, às vezes, desmerece.

É preciso reconhecer que, neste debate, estamos fazendo política. A nossa política passa pela reflexão coletiva em cima do que estamos especializando. Não necessariamente no Congresso Nacional, mas no que podemos construir aqui. Tenho certeza, apoiando o que comentou João Rodeia também, que hoje estamos vivendo um tempo em que se constrói um novo conceito de cidade. As novas gerações já aderiram a esse novo conceito: uma cidade mais amigável, amena, de maior diversidade e menos desigualdade. Uma cidade que não se submete aos isolamentos funcionalistas e que pede uma simultaneidade de usos.”

Fonte IAB

Publicado em 29/02/2016

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