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Opinião | Proposta de lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo permite enorme flexibilização das regras, diz professora

Por que planejamos a cidade? Em outras palavras, por que o Estado tem legitimidade para interferir no processo de urbanização, este guiado majoritariamente pelos interesses capitalistas de produção do espaço? De acordo com a teoria do planejamento, a interferência na construção da cidade se justifica para atender ao interesse coletivo.

Obviamente a noção de interesse coletivo é vaga: há uma disputa velada pelo seu significado. Direito à moradia, prioridade ao transporte público, proteção ambiental, geração de empregos são alguns dos vários objetivos comumente usados para justificar a imposição de regras de uso e ocupação do solo, um dos principais mecanismos de planejamento territorial.

Tais objetivos divergem entre si. Reconhecer divergências, visibilizar conflitos e discutir amplamente com a sociedade é condição para um planejamento eficaz, capaz de mudar a direção do desenvolvimento urbano para atender a coletividade. Em Barcelona, por exemplo, foi implantado um dispositivo que impede a aprovação de novos hotéis por um ano, pois ficou claro que a grande demanda por hotéis estava produzindo um aumento especulativo do preço da terra, contribuindo para inviabilizar a permanência dos moradores nos bairros residenciais.

Não tenho dúvidas de que tais medidas desagradaram a uma grande parte da sociedade. Por outro lado, entendo que o Estado deve proteger os setores sociais mais fracos, sob pena de termos políticas inócuas, em que o interesse público não é atendido e, sim, o interesse do mais forte, um salve-se quem puder.

A proposta de lei de Parcelamento Uso e Ocupação do Solo de Fortaleza está sendo discutida na Câmara Municipal. Ela propõe uma enorme flexibilização das regras em nome da Dinamização Urbana. Quem ganha e quem perde com tais medidas? Isso não está claro. Gestores públicos apresentam as medidas como de interesse universal. Além disso, a proposta reforça um modelo de gestão caso a caso, em que a negociação das regras é feita entre o empreendedor e o Estado, na medida em que as demandas surgem.

Tal modelo tende a se distanciar do objetivo maior de atender a coletividade, em particular num contexto no qual os processos democráticos de representação política são extremamente frágeis, em que as decisões não são baseadas em dados, mas em percepções, e em que a sociedade desconhece a importância de monitorar o desenvolvimento urbano.

Clarissa Freitas

urbcla@gmail.com

Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFC; doutora em Arquitetura e Urbanismo na UnB; atualmente, professora visitante do Departamento de Planejamento Urbano e Regional da Universidade de Illinois (EUA)

Fonte: jornal O Povo

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